Sou o Albano Assunção, tenho 38 anos e resido em Espinho, onde nasci. Neste momento sou professor de informática, mas em Setembro serei apenas mais um desempregado. Tenho sérias dúvidas sobre se alguém irá ter paciência para ler tudo o que se segue até ao fim, mas cá vai...
Espondilite e prótese
Sofro de espondilite anquilosante e tenho uma prótese total da anca esquerda por necrose da cabeça do fémur. Sou sócio da Associação Nacional da Espondilite Anquilosante (ANEA) e faço hidroterapia duas vezes por semana na Piscina Municipal de Ovar, a título gratuito, graças ao acordo existente entre a ANEA e o seu Núcleo Regional de Ovar.
Os "nabos"
Os "nabos" do título são os médicos da equipa de ortopedia do Hospital Geral de Santo António (HGSA), no Porto. Mais à frente irão perceber porquê - e por que é que eu entendo que, mais do que "nabos", foram criminosos.
Ao princípio era a perna
Tudo começou pouco depois dos meus 20 anos. Ao princípio, eram apenas dores na perna esquerda. Às vezes, parecia que a perna se prendia. E eu não conseguia fazê-la andar; esperava um pouco e ela voltava "ao normal". Depois, vieram outros sintomas e sinais: não conseguia espirrar porque isso me fazia doer as costas e o peito; comecei a não conseguir cortar as unhas dos pés; custava-me estar muito tempo sentado ou muito tempo em pé; deixei de aguentar certo calçado; doíam-me constantemente as costas...
Experimentei de tudo: o médico de família receitou-me cápsulas, comprimidos, injecções, pomada - mas nada resultava; nas urgências do Hospital de Espinho davam-me injecções de Relmus com Voltaren, o que aliviava as dores apenas momentaneamente; gastei mais de 30 mil escudos em massagens... E no fim tudo voltava ao mesmo.
Na medicina interna
De modo que, depois de consultar vários médicos e dois ortopedistas privados, no Porto, consegui que um cirurgião do "Santo António" me fizesse entrar no serviço de Medicina Interna pela "porta do cavalo", abrindo assim o meu processo e dando-me acesso às consultas externas dessa especialidade.
Já não me recordo em que data entrei lá, mas, fazendo algumas contas de cabeça, admitamos que tenha sido por volta de 1991, tinha eu então 23 anos (há 15, portanto).
A doutora de Medicina Interna foi incansável, diga-se, mas pouco eficaz. Parecia estar quase a sofrer tanto quanto eu, pois não conseguia fazer um diagnóstico à minha doença. Conseguia perceber que a cabeça do fémur esquerdo estava a morrer mas não percebia porquê. Foi aí que tomei contacto, pela primeira vez, com a expressão "de origem idiopática". Portanto, eu tinha "uma necrose asséptica da cabeça do fémur esquerdo, de origem idiopática". Ela nunca pôs como hipótese a Espondilite Anquilosante. Sem saber o que fazer, enviou-me para a especialidade de Ortopedia.
Na ortopedia
Pois tem sido na Ortopedia do HGSA que tenho passado os anos. O problema da cabeça do fémur foi piorando: já não era a perna a prender, eram as dores intensas; para ir trabalhar, num emprego que ficava, a pé, a menos de dez minutos de casa, tive de chamar várias vezes um táxi; tinha de usar botijas de água quente para conseguir dormir; e cheguei a tomar cinco e seis comprimidos de Voltaren Rapid num só dia para poder aguentar as dores.
De tudo isto me queixava nas consultas externas de Ortopedia - disto e das dores nas costas, da dificuldade de locomoção, da minha postura estranha. Lembro-me de estar a olhar para uma fotografia minha deitado na praia, de barriga para baixo, e não achar normal a curvatura da coluna, facto que relatei aos médicos e que os mesmos desvalorizaram com um esgar irónico. Uma vez, cheguei mesmo a dizer a um dos doutores (nunca tive um fixo, iam-se revezando): "Sabe... os meus amigos acham-me muito torto... tenho as costas muito curvadas...". Ao que o mesmo respondeu: "Então e você liga áquilo que os outros lhe dizem?!". Eu ligo. Mas ele não ligou.
As consultas ao serviço da consulta externa de Ortopedia sucederam-se, e agora não se tratava já de descobrir a causa, claro, mas de ir observando a evolução da necrose do fémur e tentar adiar o máximo possível a cirurgia de implantação da prótese, "para não ser novamente aberto muito cedo", conforme me iam explicando. De maneira que, entre os 23 e os 32 anos, andei a ver a vida através de comprimidos de Voltaren e injecções nas urgências dos hospitais. A posição dos médicos ortopedistas do HGSA era que, "quanto mais tarde, melhor", tese que outros médicos contrariam hoje em dia, considerando que o doente tem direito a uma vida com o mínimo de qualidade, ou seja, sem dor.
A cirurgia
Assim não entenderam os meus ortopedistas. E por isso é que só em 2003 fui operado para implantação de prótese total (de cerâmica) na anca esquerda, depois de anos e anos de sofrimento. Abstenho-me de aqui relatar com detalhe o internamento (fui tratado abaixo de cão por uma enfermeira mentirosa), o pós-operatório (o médicou que me operou, José Figueiredo, "fugiu" no dia da minha alta, pelo que tive de ir consultá-lo a uma Ordem no Porto) ou a fisioterapia (para ela ser paga pela Segurança Social, eu teria de esperar cerca de dois ou três meses pela minha vez, pelo que paguei do meu bolso, numa clínica privada, esses primeiros tempos).
Três meses depois da cirurgia, já caminhava sem qualquer muleta; aquilo que, oficialmente, passei a não poder fazer era o que já não conseguia fazer antes por causa das dores: correr, saltar, etc.
A descoberta
E então, um dia, aconteceu algo que mudou tudo. Andava a doer-me constantemente o ombro direito, e eu, numa consulta de rotina na Ortopedia do HGSA, queixei-me disso ao médico (mais um) que me atendia. Observou-me, não viu nada de especial; mandou-me fazer um Raios-X. Regressei pouco depois ao consultório, ele já na posse da radiografia, olhando para ela. "Sabe, vê-se aqui um risquinho, mas não é nada de especial... Faça o seguinte: quando lhe doer de novo, volte cá!"
Não voltei, claro. Ou melhor, voltei para as consultas de rotina sobre a prótese. E marquei de imediato uma consulta em Espinho, no dr. Leitão, ortopedista, a quem expliquei como ficara indignado com o "quando lhe doer de novo, volte cá!". Pois o dr. Leitão, que por acaso até era médico no mesmo serviço do mesmo hospital (mas especializado em cirurgias aos joelhos), diz-me o seguinte, depois de trocarmos breves palavras: "Mal aqui entraste, notei que tinhas uma postura anormal; eu não quero afirmar coisas sem ter a certeza, mas vais fazer umas análises ao sangue e umas radiografias, porque desconfio que tens a doença de Bechterew."
E tinha. Doença de Bechterew, Espondilite Anquilosante. Estávamos em Junho de 2005.
A queixa
Perguntei ao dr. Leitão: "Como é possível que os seus colegas não tenham posto essa hipótese?!". Ele: "Se disseres que eu disse isto, eu nego; mas eles não descobriram porque são 'nabos'!".
Escrevo este "segredo" aqui pela primeira vez. O dr. Leitão negará, com certeza. Mas ver a frase aqui escrita dá-me algum gozo, porquanto os médicos ortopedistas que me atenderam ao longo de todos estes anos foram "nabos" e, mais do que isso, criminosos. Nem um diagnóstico foram capazes de fazer.
E quando, indignado ainda, e já depois de ter digerido a notícia, escrevi uma reclamação no HGSA sobre esta total incompetência, o chefe de serviço de Ortopedia respondeu algo como: "A prótese que lhe foi implantada é da maior qualidade." E nesse mesmo dia, quando, depois de escrita a queixa ("Vou agora revelar aos médicos qual é a minha doença"), confrontei o médico, este fez um número abolutamente pornográfico - mandou-me calar ("espere! espere! não diga!") e gritou: "Eu vou adivinhar! Você tem Espondilite Anquilosante!"
Eu ri-me na cara dele. Perguntei-lhe se não tinha vergonha. Pelos vistos, não tinha.
E agora?
Primeiro pensei abandonar o HGSA. Mas, depois de um chefe de serviço dizer "se não está contente com este hospital, vá procurar outro", resolvi ficar. Nem que seja só mesmo para chatear.
Continuo a ir às consultas de Ortopedia para vigilência da prótese, que por acaso está a descolar, ainda que de forma não preocupante. E fui enviado, entretanto, para as consultas de Medicina Interna (o regresso às origens!), onde sou atendido à pressa.
Dir-me-ão: "Mas tens de estar sempre a reclamar?". Eu tenho. Porque, se não fosse a incompetência dos médicos do HGSA, poderia ter começado a tratar-me da minha doença crónica, progressiva e incapacitante "só" 12 anos mais cedo.
Acho que 12 anos sao uma boa razão para "estar sempre a reclamar".
Espondilite e prótese
Sofro de espondilite anquilosante e tenho uma prótese total da anca esquerda por necrose da cabeça do fémur. Sou sócio da Associação Nacional da Espondilite Anquilosante (ANEA) e faço hidroterapia duas vezes por semana na Piscina Municipal de Ovar, a título gratuito, graças ao acordo existente entre a ANEA e o seu Núcleo Regional de Ovar.
Os "nabos"
Os "nabos" do título são os médicos da equipa de ortopedia do Hospital Geral de Santo António (HGSA), no Porto. Mais à frente irão perceber porquê - e por que é que eu entendo que, mais do que "nabos", foram criminosos.
Ao princípio era a perna
Tudo começou pouco depois dos meus 20 anos. Ao princípio, eram apenas dores na perna esquerda. Às vezes, parecia que a perna se prendia. E eu não conseguia fazê-la andar; esperava um pouco e ela voltava "ao normal". Depois, vieram outros sintomas e sinais: não conseguia espirrar porque isso me fazia doer as costas e o peito; comecei a não conseguir cortar as unhas dos pés; custava-me estar muito tempo sentado ou muito tempo em pé; deixei de aguentar certo calçado; doíam-me constantemente as costas...
Experimentei de tudo: o médico de família receitou-me cápsulas, comprimidos, injecções, pomada - mas nada resultava; nas urgências do Hospital de Espinho davam-me injecções de Relmus com Voltaren, o que aliviava as dores apenas momentaneamente; gastei mais de 30 mil escudos em massagens... E no fim tudo voltava ao mesmo.
Na medicina interna
De modo que, depois de consultar vários médicos e dois ortopedistas privados, no Porto, consegui que um cirurgião do "Santo António" me fizesse entrar no serviço de Medicina Interna pela "porta do cavalo", abrindo assim o meu processo e dando-me acesso às consultas externas dessa especialidade.
Já não me recordo em que data entrei lá, mas, fazendo algumas contas de cabeça, admitamos que tenha sido por volta de 1991, tinha eu então 23 anos (há 15, portanto).
A doutora de Medicina Interna foi incansável, diga-se, mas pouco eficaz. Parecia estar quase a sofrer tanto quanto eu, pois não conseguia fazer um diagnóstico à minha doença. Conseguia perceber que a cabeça do fémur esquerdo estava a morrer mas não percebia porquê. Foi aí que tomei contacto, pela primeira vez, com a expressão "de origem idiopática". Portanto, eu tinha "uma necrose asséptica da cabeça do fémur esquerdo, de origem idiopática". Ela nunca pôs como hipótese a Espondilite Anquilosante. Sem saber o que fazer, enviou-me para a especialidade de Ortopedia.
Na ortopedia
Pois tem sido na Ortopedia do HGSA que tenho passado os anos. O problema da cabeça do fémur foi piorando: já não era a perna a prender, eram as dores intensas; para ir trabalhar, num emprego que ficava, a pé, a menos de dez minutos de casa, tive de chamar várias vezes um táxi; tinha de usar botijas de água quente para conseguir dormir; e cheguei a tomar cinco e seis comprimidos de Voltaren Rapid num só dia para poder aguentar as dores.
De tudo isto me queixava nas consultas externas de Ortopedia - disto e das dores nas costas, da dificuldade de locomoção, da minha postura estranha. Lembro-me de estar a olhar para uma fotografia minha deitado na praia, de barriga para baixo, e não achar normal a curvatura da coluna, facto que relatei aos médicos e que os mesmos desvalorizaram com um esgar irónico. Uma vez, cheguei mesmo a dizer a um dos doutores (nunca tive um fixo, iam-se revezando): "Sabe... os meus amigos acham-me muito torto... tenho as costas muito curvadas...". Ao que o mesmo respondeu: "Então e você liga áquilo que os outros lhe dizem?!". Eu ligo. Mas ele não ligou.
As consultas ao serviço da consulta externa de Ortopedia sucederam-se, e agora não se tratava já de descobrir a causa, claro, mas de ir observando a evolução da necrose do fémur e tentar adiar o máximo possível a cirurgia de implantação da prótese, "para não ser novamente aberto muito cedo", conforme me iam explicando. De maneira que, entre os 23 e os 32 anos, andei a ver a vida através de comprimidos de Voltaren e injecções nas urgências dos hospitais. A posição dos médicos ortopedistas do HGSA era que, "quanto mais tarde, melhor", tese que outros médicos contrariam hoje em dia, considerando que o doente tem direito a uma vida com o mínimo de qualidade, ou seja, sem dor.
A cirurgia
Assim não entenderam os meus ortopedistas. E por isso é que só em 2003 fui operado para implantação de prótese total (de cerâmica) na anca esquerda, depois de anos e anos de sofrimento. Abstenho-me de aqui relatar com detalhe o internamento (fui tratado abaixo de cão por uma enfermeira mentirosa), o pós-operatório (o médicou que me operou, José Figueiredo, "fugiu" no dia da minha alta, pelo que tive de ir consultá-lo a uma Ordem no Porto) ou a fisioterapia (para ela ser paga pela Segurança Social, eu teria de esperar cerca de dois ou três meses pela minha vez, pelo que paguei do meu bolso, numa clínica privada, esses primeiros tempos).
Três meses depois da cirurgia, já caminhava sem qualquer muleta; aquilo que, oficialmente, passei a não poder fazer era o que já não conseguia fazer antes por causa das dores: correr, saltar, etc.
A descoberta
E então, um dia, aconteceu algo que mudou tudo. Andava a doer-me constantemente o ombro direito, e eu, numa consulta de rotina na Ortopedia do HGSA, queixei-me disso ao médico (mais um) que me atendia. Observou-me, não viu nada de especial; mandou-me fazer um Raios-X. Regressei pouco depois ao consultório, ele já na posse da radiografia, olhando para ela. "Sabe, vê-se aqui um risquinho, mas não é nada de especial... Faça o seguinte: quando lhe doer de novo, volte cá!"
Não voltei, claro. Ou melhor, voltei para as consultas de rotina sobre a prótese. E marquei de imediato uma consulta em Espinho, no dr. Leitão, ortopedista, a quem expliquei como ficara indignado com o "quando lhe doer de novo, volte cá!". Pois o dr. Leitão, que por acaso até era médico no mesmo serviço do mesmo hospital (mas especializado em cirurgias aos joelhos), diz-me o seguinte, depois de trocarmos breves palavras: "Mal aqui entraste, notei que tinhas uma postura anormal; eu não quero afirmar coisas sem ter a certeza, mas vais fazer umas análises ao sangue e umas radiografias, porque desconfio que tens a doença de Bechterew."
E tinha. Doença de Bechterew, Espondilite Anquilosante. Estávamos em Junho de 2005.
A queixa
Perguntei ao dr. Leitão: "Como é possível que os seus colegas não tenham posto essa hipótese?!". Ele: "Se disseres que eu disse isto, eu nego; mas eles não descobriram porque são 'nabos'!".
Escrevo este "segredo" aqui pela primeira vez. O dr. Leitão negará, com certeza. Mas ver a frase aqui escrita dá-me algum gozo, porquanto os médicos ortopedistas que me atenderam ao longo de todos estes anos foram "nabos" e, mais do que isso, criminosos. Nem um diagnóstico foram capazes de fazer.
E quando, indignado ainda, e já depois de ter digerido a notícia, escrevi uma reclamação no HGSA sobre esta total incompetência, o chefe de serviço de Ortopedia respondeu algo como: "A prótese que lhe foi implantada é da maior qualidade." E nesse mesmo dia, quando, depois de escrita a queixa ("Vou agora revelar aos médicos qual é a minha doença"), confrontei o médico, este fez um número abolutamente pornográfico - mandou-me calar ("espere! espere! não diga!") e gritou: "Eu vou adivinhar! Você tem Espondilite Anquilosante!"
Eu ri-me na cara dele. Perguntei-lhe se não tinha vergonha. Pelos vistos, não tinha.
E agora?
Primeiro pensei abandonar o HGSA. Mas, depois de um chefe de serviço dizer "se não está contente com este hospital, vá procurar outro", resolvi ficar. Nem que seja só mesmo para chatear.
Continuo a ir às consultas de Ortopedia para vigilência da prótese, que por acaso está a descolar, ainda que de forma não preocupante. E fui enviado, entretanto, para as consultas de Medicina Interna (o regresso às origens!), onde sou atendido à pressa.
Dir-me-ão: "Mas tens de estar sempre a reclamar?". Eu tenho. Porque, se não fosse a incompetência dos médicos do HGSA, poderia ter começado a tratar-me da minha doença crónica, progressiva e incapacitante "só" 12 anos mais cedo.
Acho que 12 anos sao uma boa razão para "estar sempre a reclamar".